“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O "Desarmamento Moral" da França

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Livro didático francês de 1948: instrumento de "desarmamento moral".

Um papel central na disseminação do movimento pacifista na França foi desempenhado pelas escolas ou, mais especificamente, pelos sindicatos de professores franceses, que na década de 1920 deram início a uma série de campanhas organizadas que se opunham aos livros escolares do pós-guerra que retratassem favoravelmente os soldados franceses, os quais haviam defendido seu país contra os invasores alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Tais textos foram cunhados de "belicosos", uma tática verba ainda comum entre os integrantes da visão do intelectual ungido, tratando as visões divergentes como se fosse meras emoções, como se nesse caso apenas o estado mental de beligerância explicasse a resistência aos invasores ou se associasse àqueles que arriscaram a vida para defender a nação. O líder do sindicato dos professores, o Syndicat National des Instituteurs (SN), lançou uma campanha contra esses livros escolares de "inspiração belicosa", os quais foram caracterizados como "um perigo para a implantação da paz". Já que era dito que o nacionalismo era uma das causas da guerra, o internacionalismo ou a "imparcialidade" entre as nações foi considerado uma característica necessária a ser adotada nos livros escolares.

Isso não era tido como contrário ao espírito patriótico, mas no mínimo acabou esvaziando o senso de dever perante os que tinham morrido para proteger a nação, com sua obrigação implícita sobre as gerações seguintes para que fizessem o mesmo se e quando isso tornasse novamente necessário.

Os líderes com inclinação para reescrever os livros escolares de história chamaram seu objetivo de "desarmamento moral", o que abriria o caminho para o desarmamento militar, o qual muitos consideravam outro ponto central para a conquista da paz. As listas dos livros censurados nas escolas foram organizados por Georges Lapierre, um dos líderes do SN. Por volta de 1929 ele se gabava de ter removido todos os livros "belicosos", os quais a campanha encabeçada pelo SN tinha retirado das escolas. Esses livros haviam sido reescritos ou substituídos. Diante da ameaça de perder uma boa parte do mercado editorial escolar, os editores franceses submeteram-se às exigências dos sindicatos, determinando que os livros sobre a Primeira Guerra Mundial deveriam ser revisados a fim de refletir a "imparcialidade" entre as nações e promover o pacifismo.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 344-345.

EUA, Guerra e Intervencionismo

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Durante o período relativamente breve do envolvimento militar norte-americano na Primeira Guerra Mundial - um pouco mais de um ano e meio -, um pacote singularmente expressivo de regulamentações federais sobre a condução da vida interna dos Estados Unidos entrou em vigência, confirmando a visão intelectual dos progressistas que viam a guerra como uma oportunidade valiosa para substituição dos processos tradicionais de tomada de decisões, baseados em mecanismos socioeconômicos individuais para a implantação de formas coletivistas de controle e de doutrinação. Assembleias, comissões e comitês foram rapidamente criados e colocados sob a direção do Conselho da Indústria de Guerra, o qual passou a governar boa parte da economia, estabelecendo racionamentos e fixando preços. Enquanto isso, o Comitê de Informação Pública, descrito de forma correta como o "primeiro ministério moderno de propaganda do Ocidente", era criado e administrado pelo progressista George Creel, que tomou como missão tornar a opinião pública uma única e compacta "massa quente" de apoio aos esforços de guerra em nome de "100% de americanismo", rotulando todo aquele que "se recusasse a apoiar o presidente durante essa crise" como "pior que um traidor".     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 332.

A Falácia do Separatismo

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Europa, 1921. Destaque para os novos países (cor amarela).

A ideia de fazer com que cada "povo" tenha sua própria terra ignora tanto a história quanto a demografia, para não falar de economia e segurança militar. As localizações dos povos e das fronteiras nacionais já haviam mudado repetida e drasticamente por toda a história. Boa parte dos territórios no mundo, assim como a maior parte dos territórios desmembrados impérios Habsburgo e Otomano, pertenceram a diferentes soberanias, em diferentes períodos da história. Nesses impérios, o número de cidades com múltiplos nomes provindos de línguas distintas deveria ter funcionado como indicação clara sobre a realidade histórica, assim como as mesquitas convertidas em igrejas convertidas em mesquitas.

A ideia de resgatar minorias oprimidas ignorava o prospecto - até se tornar realidade - de que as minorias oprimidas, ao se tornarem grupo governante de suas próprias nações, iniciariam imediatamente o processo de opressão de outras minorias agora sob seu controle. A solução encontrada por Wilson e aplaudida pelos outros intelectuais se fazia tão ilusória quanto perigosa. Estados pequenos e vulneráveis criados a partir do desmembramento do Império Habsburgo foram posteriormente arrebanhados, um por um, por Hitler durante a década de 1930; uma operação que teria sido muito mais difícil e temerosa caso ele tivesse que enfrentar um Império Habsburgo unido. O dano causado estendeu-se para além dos pequenos estados, pois mesmo um estado maior como a França ficou muito mais vulnerável depois que Hitler tomou controle dos recursos militares e materiais da Tchecoslováquia e da Áustria. Hoje em dia, a Otan é, de fato, uma tentativa de proteger Estados individualmente vulneráveis, agora que os impérios dos quais alguns deles faziam parte foram dissolvidos.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 329-330.

As "Causas Sociais" da Criminalidade

terça-feira, 16 de abril de 2024

A teoria sobre as "causas sociais" da criminalidade tem se mostrado igualmente imune às evidências em ambos os lados do Atlântico. Tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra os índices de criminalidade subiam vertiginosamente bem na mesma época em que as supostas "causas sociais do crime" - pobreza e falta de oportunidades - estavam diminuindo aos olhos de todos. A fim de ridicularizar por completo a teoria das "causas sociais", os distúrbios nos guetos, que varreram muitas cidades nos Estados Unidos na década de 1960, foram muito menos comuns nas cidades dos estados do Sul, onde a discriminação racial ainda era visível. Além disso, o distúrbio mais letal daquela época ocorreu em Detroit, onde o índice de pobreza da população negra estava 50% abaixo da média nacional, ao mesmo tempo que essa cidade apresentava o mais alto índice de conquista de casa própria entre a população negra, considerando todas as cidades dos Estados Unidos, além de o índice de desemprego estar, na época, em Detroit, em apenas 3,4%, um número menor do que o índice nacional de desemprego da população branca do período.

Os distúrbios urbanos fizeram-se mais frequentes durante a administração do presidente Lyndon Johnson, quando foram marcados pela promulgação marcante de uma legislação de direitos civis e uma expansão maciça de programas sociais chamados "guerra contra a pobreza". Por outro lado, tais distúrbios praticamente desapareceram durante os oitos anos de administração Reagan, um período de esvaziamento dos programas sociais.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 303.

Juiz, Intelectual Ungido da Atualidade

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Cafeteria da Constituição Americana: "Mais e mais pessoas estão interessadas em apenas um ou dois itens." A cultura de seletividade em relação àquilo que seria ou não importante na constituição embala o ativismo judicial.

Embora existam muitas controvérsias de natureza judicial sobre questões particulares, a controvérsia mais fundamental a rondar esse campo é a que versa sobre quem deve controlar as leis e quem deve alterá-las. Os intelectuais norte-americanos favorecem, desde pelo menos a metade do século XX e de forma esmagadora, a expansão do papel do juízes, que, segundo eles, devem ultrapassar o âmbito de aplicar as leis criadas por terceiros, refazendo-as para que "estejam apropriadas com os novos tempos", o que vale dizer subordinando a justiça aos interesses da visão predominante da época em questão, a visão do intelectual ungido.

Sempre que a Constituição dos Estados Unidos se apresenta como barreira para o pleno exercício da função expandida dos juízes eles são exortados a "interpretar" a Constituição, entendida como mero conjunto de valores a ser aplicado da forma que os juízes julgarem mais conveniente, atualizando-a sempre que acharem necessário. Nesse caso, a Constituição não é vista como um conjunto de instruções específicas a ser seguido, e é exatamente isso o que significa "ativismo judicial", embora a manipulação retórica tenha conseguido confundir esse sentido com outros.

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O verdadeiro problema do ativismo judicial é sobre a questão que envolve a fundamentação das decisões dos juízes. Pergunta-se, então, se essas decisões se sustentam em leis criadas por outros, incluindo as assembleias constituintes, ou se, ao contrário, são os próprios juízes que embasam suas decisões em suas concepções sobre "as necessidades da época" e de "justiça social" ou em outras considerações que estão além do que está escrito na lei ou nos precedentes legais.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 260 e p. 265.

Os Intelectuais e o Ativismo Judicial

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Por vezes, a "dificuldade" em se mudar as leis e especialmente a dificuldade em se criar emendas constitucionais é invocada como razão para justificar por que os juízes devem se tornar os agentes que aceleram as mudanças. Por exemplo, Herbert Croly, o editor-chefe da revista New Republic, disse, em seu clássico da era progressista, The Promise of American Life, o seguinte: "No final, todo governo popular deveria, depois de uma deliberação necessariamente estudada, consolidar o poder para ser capaz de tomar qualquer ação necessária, sempre que o bem-estar público está em jogo, segundo a maioria da população". Ele completou: "Isso não é possível com um governo subordinado ao controle da Constituição Federal". Ele deplorava o que chamava de "a imutabilidade da Constituição". Muitos outros, depois dele, avançaram na tese sobre a dificuldade de se criar emendas constitucionais. Mas dificuldade não é algo que seja determinado pela frequência. Se as pessoas não querem uma coisa em particular, mesmo que a intelligentsia a considere desejável ou até imperativa, isso não é uma dificuldade. Isso é democracia.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 250.

Os Intelectuais e a Justiça

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Durante a segunda metade do século XX, a visão sobre a justiça como algo a ser deliberadamente moldado segundo o espírito dos tempos, da forma como é interpretado pelas elites intelectuais, tornou-se muito comum entre juízes e nas principais escolas de direito. O professor Ronald Dworkin, da Universidade de Oxford, condensou essa abordagem quando descartou a evolução sistêmica do direito como uma "crença tola" baseada no "caótico e no desordenado andamento da história". Ao fazer isso, o professor iguala processos sistêmicos ao caos, da mesma forma que fazem aqueles que promovem o estabelecimento de um planejamento econômico centralizado, em vez de confiarem nas interações sistêmicas dos mercados. Em ambos os casos, a preferência é pela imposição da visão da elite, passando por cima, se necessário, das visões que abarcam e integram o conjunto da sociedade, mas como o professor Dworkin também disse, "uma sociedade mais igual é uma sociedade melhor, mesmo quando seus cidadãos preferem a desigualdade".     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 250.