“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

As Raízes da Reforma Protestante

quinta-feira, 14 de maio de 2015

O Navio dos Loucos, de Hieronymus Bosh (1450-1516). Óleo sobre madeira, 58 cm X 33 cm, Museu do Louvre, Paris. A obra é uma crítica alegórica aos costumes da época, em especial a devassidão e profanidade do clero católico.

Para o grande público, a Reforma Protestante é imediatamente associada a Martinho Lutero (1483-1546) e às suas 95 teses sobre a justificação pela fé. Contudo, antes de 1517 as deficiências da Igreja já eram evidentes e vários pensadores se delineavam como precursores da Reforma. O papel histórico de Lutero foi o de ampliar essas ideias e afirmar radicalmente uma tendência que já existia. 

Neste post, explicarei as origens tardo-medievais da Reforma Protestante. Eu me baseei nas notas que tomei das explicações do Dr. Josemar Machado, professor de História Moderna da Ufes (aula de 30 de agosto de 2006). 

I. Condições anteriores que facilitaram a Reforma

I.1 A Crise espiritual tardo-medieval

O mundo ocidental do século XIV esteve mergulhado numa crise demográfica, econômica e de valores. De modo particular, a Peste Negra e os cismas no seio da Igreja abalaram profundamente a espiritualidade do homem europeu. 

Neste contexto, Gerard Groote (1340-1382) fundou uma comunidade católica denominada "Irmãos e Irmãs da Vida Comum". Eles foram responsáveis por difundir a devotio moderna, que buscava uma nova forma de espiritualismo e ascetismo. A razão era considerada insuficiente para a salvação. Existiam também duas correntes antagônicas no catolicismo: a via antiqua, promovida pelos tomistas, e a via moderna, sustentada pelos seguidores de Guilherme de Ockham (1285-1347). Enquanto a primeira era a representante da ortodoxia, e possuía um padrão estabelecido de compreender a religião, os ockhamistas eram heterodoxos, e pregavam que a razão não teria papel na salvação. 

I.2 Críticas aos poderes da Igreja

No período em questão, Guilherme de Ockham e Marsílio de Pádua (c. 1275 - c. 1342) foram os principais nomes da oposição teológica à Igreja Católica. Ambos eram defensores do conciliarismo, a ideia de que a Igreja é maior do que o papa. 

O conciliarismo foi ratificado pelo Concílio de Constança, em 1415. Naquele momento, a Igreja reunida escolheria um novo papa para substituir os anti-papas e sanar a crise que abalava a Cristandade ocidental. Contudo, a partir da segunda metade do século seguinte, os papas recobrariam o seu poder. 

Dentre os principais representantes da oposição herética, destacam-se John Wycliffe (c. 1328-1384) e Jan Huss (1369-1415). 

Wycliffe criticou o papel exercido pela Igreja na sociedade inglesa do século XIV. Opunha-se à sua ingerência nas questões políticas. Os lolardos, padres sem consagração formal que seguiam as ideias de Wycliffe, chegaram a envolver-se numa insurreição, em 1381. Coube a Wycliffe traduzir o Novo Testamento para o inglês. 

Se Wycliffe foi o precursor da Reforma na Grã-Bretanha, na Europa continental (na Boêmia, mais especificamente) esse papel coube a Huss. Notável teólogo da Universidade de Praga, ele foi o porta-voz dos camponeses boêmios contra a concentração de terras por parte da Igreja. Embora portasse um salvo-conduto para participar do Concílio de Constança (1415), foi traído e queimado na fogueira. Após sua morte, os hussitas ganharam força, ainda mais que os lolardos da Inglaterra. Por décadas estiveram em conflito com o clero católico, e acabaram arrancando-lhes concessões em matéria sacramental: obtiveram a comunhão dupla (passaram a comungar tanto do pão quanto do vinho; na tradição católica, os leigos participam apenas da hóstia). 

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